terça-feira, 27 de dezembro de 2011



Era seu 42º aniversário. Ela sentou-se diante do espelho e contemplou seu rosto, comparando-o mentalmente com o que vira naquele mesmo espelho quando tinha 16 anos. Nunca fora madrugadora, mas naquele dia levantou-se cedo da cama ainda de lingerie, pôs o penhoar e, imóvel, olhando para o espelho, disse: “É possível que eu pareça hoje como era ontem?”.
Vendo o passado através do espelho, ela volta no tempo de adolescente e vê toda sua vida passando como se fosse um filme no telão. Ela sofre ao vê-la tão jovem, linda e com pele de pêssego. Ali ela continua imóvel, suas lembranças continuam e ela vai sonhando do outro lado do espelho.
A juventude que ela vê agora é doce, meiga, gentil e delicada como uma coroa de diamantes, brilhando na luz, como raios de sol, tão forte que nada pode atingi-la.
No seu quarto de menina, ela olha tudo e sente os cabelos voando com o vento que entra pela janela. A nostalgia lhe embriaga e ela flutua diante do espelho. Parece estar vivendo a sua vida passada naquele momento inebriante. Prende os cabelos como fizera há tanto tempo, e desfila pelo seu quarto com seu penhoar, sentindo como se fosse aquele primeiro vestido suave que vestiu pela primeira vez para sair como uma mulher.
De repente a porta se abre, ela sai do espelho e seu mundo real está ali em sua frente: “Mãe!”. Era seu filho menor. Pegou o que queria e saiu correndo, deixando-a sozinha novamente. Ela levanta, anda até a porta e a fecha, volta aos seus pensamentos como se nada tivesse atrapalhado, vai até a janela e, olhando para o céu de nuvens brancas, lembra as tantas vezes que se apaixonou. Era tudo coisa da juventude, mas era tudo tão encantador.
 Mas o espelho revela mais dessa tal de juventude. A primeira paixão que arrebatou seu coração e doía o peito todo, o primeiro beijo na boca e o coração acelerado que saia em disparada completamente desgovernado, a primeira decepção amorosa que ela pensava que ia morrer de amor, a primeira bronca do pai por causa de namorado, o primeiro caderno de pensamentos.
Os anos passam e a vida vai ficando cheia de atribuições e bagunças. Marido, filhos, trabalho, contas a pagar e outras coisas que não são nem um pouco encantadoras. O céu delega atribuição demais para uma mulher e muitas vezes elas querem deixá-las de lado, mas a sociedade ou o mundo ainda tem coisas ruins a falar das mulheres.
Saindo da janela, ela volta para seu mundo real, cheia de sonhos velhos.
Tentando de tudo para tentar ser feliz, ela vai seguindo seu rumo ou destino. 
Mas, apesar dos anos, ela ainda se encanta e, como Narciso, é apaixonada por si mesma. 
Hoje qualquer manifestação de sonho faz essa mulher pensar, pensar e pensar.
A idade é uma angústia vaga e ampla que se experimenta quando o céu em sua impenetrável sabedoria decide contra uma alma individual.
Por que o céu não fizera a mulher com uma vida duas vezes mais longa que a dos homens, a fim de que sua beleza pudesse durar?
Talvez hoje tivesse sido melhor não ter sentado diante daquele espelho.

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